Como falar de sexo, virgindade e gravidez com meninas e meninos



Assuntos envolvendo sexualidade se tornaram tabus ao longo do tempo, principalmente por conta da ideia de pecado transmitida pelas religiões, e assim se mantiveram por muito tempo, mas será correto não falar sobre eles no núcleo familiar, na escola, ou manter as idéias sexistas e preconceituosas?

Com certeza não. Não falar passa a impressão de proibição, de errado, e nos faz perder a oportunidade de educar corretamente.

O obscurantismo ocidental e sua filosofia consequente nos enfiaram goela abaixo, como lavagem cerebral, visões tradicionais e machistas deturpadas e a idéia de santidade ligada à virgindade feminina. A mulher deveria se casar virgem, se não era impura.

As santas eram virgens, mesmo as mães quando e onde cesáreas não eram comuns... Lógico que essa é uma metáfora, como tantas outras presentes nos livros religiosos. Essa virgindade religiosa significa pureza de espírito, não uma pelezinha dentro da vagina. Afinal, que importância uma mini pele teria na evolução da alma, em sua bondade, em seu caráter e moral?

Certas religiões pregavam o celibato não porque quem faz sexo é impuro, mas para não dividir nem os bens de suas instituições, nem o precioso tempo daqueles que se ofereciam a ajudar.

Algumas ramificações religiosas exageraram tanto que criaram o celibato de pensamento, que logo mostrou suas consequências: neuroses, medos, desequilíbrios, sofrimento pessoal, crimes!

A sublimação ou culpa com relação à energia sexual, inclusive com relação à masturbação - ou seja: celibato - deixa muitas pessoas irritadas, agressivas, explosivas e tão descontroladas que acabam sendo instintivas em dados momentos, vindo a ser capazes até mesmo de estuprar uma criança: aquele ser de espírito puro que a ninguém “contaminaria”, vulnerável e facilmente manipulável. ... E isso é bem simples de “deixar para lá” para quem “tem” o poder de conceder o perdão divino ou trocá-lo por orações...

A única maneira do celibato não causar desequilíbrios como os citados é o controle medicamentoso da libido com, se necessário, tratamento hormonal.

A parte boa, à época, é que muitas religiões fizeram papel de agentes de saúde pública quando ditavam regras sobre o que deveria ou não ser feito para evitar doenças, com ameaças de castigos divinos. Isso foi bom em momentos em que as ciências ainda não podiam explicar as causas, por exemplo, de atos incestuosos levarem à descendência defeituosa. Hoje, porém, falar em castigos divinos em vez de dar explicações científicas não gera os melhores resultados.

Virgindade, nos termos biológicos, é considerada como a presença do hímen não rompido. Há vários tipos de hímen, um deles não se rompe durante o sexo... Logo pode haver “virgens” não tão  virgens...

Nem todo tipo de hímen leva a sangramento visível quando rompido, o que levou (e ainda leva) muitas mulheres a sofrerem preconceitos e punições sem terem enganado ninguém.

Ainda hoje percebemos que a noção que perdura é de que virgindade é algo super sagrado, que deve ser guardado, não por motivos de precaução (planejamento familiar, evitar abusos, evitar doenças), como deveria ser, mas porque existe o preconceito de que a  mulher que faz sexo é impura, é fácil... E o esperado ainda é que deve se “guardar” para o casamento...

Tal exagero na valorização de uma pele, não de um ato ou de suas consequências, e a idealização da famosa lua de mel, criou uma expectativa tão grande pela “primeira vez”, que leva as meninas a esperarem por um momento mágico, uma primeira vez maravilhosa na hora certa, com a pessoa certa... O que logicamente lhes causa, na maioria das vezes, uma grande frustração.

A primeira vez de uma garota costuma ser tensa, dolorida e ruim, simples assim. Mas, com o tempo, sexo*1 se torna algo prazeroso nas pessoas saudáveis e nos relacionamentos saudáveis. O parceiro conta muito (se é paciente, compreensivo, se se importa com quem está e não apenas com o próprio desempenho, se há carinho de verdade, etc.).
  
A psicóloga Lourdes Possatto*3 acrescenta: Tive uma cliente de 14 que, quando perdeu a virgindade, entrou em estado de pânico e culpa como se tivesse cometido um imenso pecado. Foi de dar dó! Estamos quase no final da segunda década do século 21, como pode isso? O fato é que sua mãe, com a qual ela vive, é alguém tradicional (mas que posa de liberal), com ações totalmente incoerentes quanto a permissões e proibições e que exige da filha corresponder às suas expectativas, só que sem manter qualquer diálogo.

A filha, pelo seu lado, tinha a expectativa de que a mãe a compreendesse, mas não comentou nada. Num determinado momento em que estavam brigando, porque brigavam mais do que conversavam, a filha disse que não era mais virgem e o que aconteceu? Ouviu todas as críticas possíveis como se ela fosse uma devassa, sem moral, uma perdida, e, a partir daí, em todos os momentos de desentendimentos o assunto vinha à tona como se a mãe tivesse todo o direito de criticá-la e acusá-la eternamente por esse fato. Acho importante compreender que a mãe agiu dessa forma também porque recebeu uma educação castradora, com idéias errôneas sobre sexo e virgindade.

Precisamos compreender que sexo é normal, saudável dentro das condições legais e acontece, sempre vai acontecer, pois faz parte de nossa natureza. Os diálogos em família devem deixar isso claro. A conversa sobre virgindade deve ser realista, baseada em fatos biológicos e psicológicos, e sem chantagem emocional.

É necessário que tanto meninas como meninos entendam que seu valor como pessoa não está no fato de nunca terem transado com alguém ou de já o terem feito.

Deve-se dar toda orientação sobre o perigo de doenças sexualmente transmissíveis (mesmo usando preservativos), como também as várias formas de se prevenir uma gravidez e os impactos psicológicos, físicos e financeiros que uma gravidez implica*2.

Educadores, primeiramente, devem compreender e transmitir que homo, trans, bissexualidade, são normais e aceitáveis. Fazem parte do ser e é bem mais saudável para uma criança se entender e se aceitar do que ser reprimida achando que não pode tocar no assunto que tanto surge em seu sentir.

É necessário deixar claros os aspectos previstos em legislação: qualquer ato libidinoso cometido à força, sob grave ameaça ou com menor de 14 anos é considerado estupro. Atos libidinosos em que não há força, ameaça ou menores de 14 anos como vítima e causam constrangimentos em alguém (como se masturbar num ônibus, dar um tapinha na bunda da colega, falar obscenidades para pessoas que não estão a fim de ouvi-las, etc.) é considerado Importunação ofensiva ao pudor. Tais atos precisam ser compreendidos como errados, desrespeitosos abusivos e ruins.

Algumas crenças pregam que quando uma mulher não quer ser estuprada ela não é. Isso é ridículo. Infelizmente os músculos das mulheres não são tão fortes quando os masculinos de mesmo tamanho. A constituição física é menor. Gritar nem sempre adianta ou é possível. Quem prega isso acha, por acaso, que mulheres têm poderes sobrenaturais? Ou só sente prazer em humilhá-las mais ainda?

Deve-se ensinar porque não se pode abusar de outras pessoas, tenham elas a idade que for. Use a empatia.

Outros aspectos importantes para transmitir aos filhos:

- Sexo faz parte da natureza. Na adolescência há uma ebulição de desejos por conta da fase e do desenvolvimento hormonal;

 - Masturbação não é pecado e pode ser feita (é saudável!);

 - Sexo e masturbação não devem excluir autopreservação e autorrespeito, para não fazer do sexo uma perversão, aberração, promiscuidade, fuga ou única fonte de prazer;

- O corpo não precisa ser objeto de negociação. Geralmente isso causa grande mal estar durante e depois. É preciso ter autorrespeito para, assim como não usar drogas só para agradar “a galera”, não fazer nada contra a vontade verdadeira, nem mesmo para o “tal namorado” não romper a relação. Melhor relações rompidas do que relações desrespeitosas. Quando ao caso de um namoro ou até casamento, desrespeitar-se para agradar o outro configura dependência emocional e caracteriza baixa autoestima e neurose!

- Desvirginar uma garota não é conquistar uma terra, isto não é coisa de guerreiro e nem de machões, estes são conceitos extremamente machistas, de uma sociedade patriarcal em plena decadência.

Por fim, a psicóloga Lourdes Possatto lembra que não é porque uma pessoa é mais velha (adulta) que ela é madura ou sexualmente equilibrada. Por conta de educação deturpada que receberam, há muitos adultos com mais de 40 anos que ainda não tiveram relações sexuais. Na dúvida sobre como educar, sempre pesquise e consulte profissionais. Alguém bem resolvido educa melhor. Psicoterapia sempre faz bem.

Ela salienta também que o valor de uma pessoa não está na vagina, no tamanho do pênis, na transa, no namorado que tem, por ser casada, por ter  filhos, por ter um carro do ano... Mas sim está no ser o que ela é.


Sexo*1: entenda sendo relações libidinosas com pessoas de mesmo ou diferente gênero, não necessariamente penetração.

Gravidez*2: Importante adicionar que nenhum método contraceptivo previne a gravidez em 100%. O ideal é sempre usar dois métodos que se harmonizem, tal como DIU Mirena e preservativo masculino, uma excelente combinação. Saiba mais sobre métodos contraceptivos no vídeo Como Não Engravidar de Dora Figueiredo. Recomendo. 

Os preservativos masculino e feminino são os melhores métodos de prevenção de doenças venéreas, porém, nenhum deles previne essas doenças em 100% mesmo quando usados corretamente.

Algumas doenças como, por exemplo, vários tipos de micoses e de herpes não são prevenidas mesmo com o uso de preservativos.

Lourdes Possatto*3 é psicóloga clínica e escritora. Conheça mais sobre ela, seus livros e matérias em seu lourdespossattoblog.blogspot.com.br



Saiba mais em: O que falar sobre virgindade, neste blog.




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Matéria complementar de leitura obrigatória: Ser homossexual é absolutamente normal, por Lourdes Possatto; e Abuso sexual contra crianças pode ser um crime silencioso - saiba como preveni-lo.


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